Gostaria de dispor de suficiente arcaboiço psicológico para passar impávida e serena ao largo das intervenções de figuras públicas portuguesas, pesos-pesados organizacionais e da formação da opinião pública. Todavia, pertenço aquele triste agrupamento da natureza humana dotado de pavio curto - não me contenho e, sempre que alguns portentosos ameaçam de abrir a boca...
Olhem, meus caros e raros leitores, detono!
Simples: se me perguntarem se eu não explico porque "mato" gente, digo que não, e mato. Mas hoje vou aperfeiçoar o procedimento - primeiro mato e, depois, digo que não explico nada.
.Por motivos, que não vêm ao caso, a minha explosão de hoje (já lhes conto...) ocorre ao retardador, o que não se constitui num esforço provisório de auto-domínio, mas tão só, de uma falta de oportunidade pessoal da referida explosão ocorrer atempadamente - refiro-me à notícia da Lusa, de 3 de Setembro, publicada pelo Jornal Público, na mesma data, com o título:
Bastonário defende redução de 80 por cento nos cursos de engenharia..Concedendo o devido desconto às traduções da comunicação social do que é, verdadeiramente, dito pelas pessoas, não posso deixar de comentar, o que nos dizem que o Senhor Bastonário da Ordem dos Engenheiros disse aos jornalistas, e também não vi, posteriormente, nenhum seu esclarecimento ou desmentido. Por isso, limito-me a registar, aqui, o meu mau humor e os mitos e factos sobre os temas que o Senhor Bastonário decidiu divulgar pelos jornais, que lhe deram atenção:
i)
MITO: os cursos de engenharia em Portugal deveriam ser reduzidos em cerca de 80 por cento, uma vez que muitos dos nomes "são marketing puro".
FACTO - Mesmo tendo lido o texto, e feito umas contitas, não percebi o fundamento desta peculiar afirmação.
ii)
MITO: que, dos actuais 314, "não faz sentido existirem mais de 60/70 cursos de engenharia".
FACTOS - No ano lectivo de 2006/2007, em todo o ensino superior português incluindo os subsistemas público e privado, do Bacharelato aos Doutoramentos passando por preparatórios e mestrados integrados um total de 806 cursos, agrupados ao todo em 116 designações, com um total geral de 69,090 alunos.
Os cursos que eu penso podem ser considerados pela Ordem seriam: Bacharelatos+Licenciaturas: 175; Licenciaturas: 195 e mestrados integrados: 41.; TOTAL: 411.
Desta forma, não percebo de onde virá o valor 314? (o que não terá grande importância), mas o mesmo já não posso dizer dos 70/80 cursos.
Se se tratarem de cursos, a própria Ordem já acreditou 106 formações. Porque é que já acreditou 106 cursos, se não fazem sentido mais de 80?
Estamos aqui a falar de quê? De cursos ou de designações?
iii)
MITO: "Houve já uma vontade dos reitores em uniformizar as designações, que não teve apoio político. Hoje cada um cria o curso com o nome que quiser e as pessoas do mercado não sabem qual é o conteúdo correspondente à designação. É marketing puro".
FACTOS: Essa vontade não foi só dos reitores, a vontade existiu mas incluiu também pelo menos a dos Presidentes dos Politécnicos Públicos, e a proposta dos reitores nem estava mal feita, estava como a minha disposição - péssima! Ou não leu a famigerada proposta dos reitores?
Sobre a referida proposta, inclusivamente, escrevi e justifiquei a minha posição sobre o assunto à Ordem, ao MCTES e a todos que tivessem alguma coisa a ver com o assunto e caixas de correio electrónico, nomeadamente, o Senhor Presidente do CRUP, à época - Leopoldo Guimarães.
iv) FACTO: como há poucos alunos e há mais oferta", assiste-se em Portugal "a uma disputa das escolas para ter alunos socorrendo-se daquilo que tiver à mão".
.... "vai obrigatoriamente acabar por perceber-se que há cursos que deveriam ser fechados, não deveriam existir, porque não têm o mínimo de qualidade".
FACTO - Verdade absoluta. A isto chama-se concorrência - é muito saudável, para os consumidores (empregadores). Assim como é verdade que a oferta e procura constituem o melhor sistema regulador do mercado. Neste particular, o conceito de mercado é também muito discutível.
Estamos a falar de quê, quando falamos de mercado? Do mercado Nacional (10,6 milhões de habitantes), do mercado Europeu (500 milhões de habitantes) ou do mercado Mundial (6,6 bilhões de pessoas)?
v) FACTO: "a entrada na Ordem passa por um exame e esse sistema de acreditação não tem mais nenhum objectivo do que estabelecer, de forma criteriosa e pragmática, o modelo que leva a que alunos de determinados cursos possam ser dispensados deste exame"
FACTOS:
- Se a forma fosse criteriosa, haveria critérios bem definidos e devidamente publicitados. Onde se encontram publicados esses critérios da Ordem dos Engenheiros?
- Se a forma fosse pragmática, a sua execução não ocuparia uma média superior a 18 meses.
- Admito que o modelo leva a que formandos de
determinados cursos são dispensados de exames. Mas aqui, eu sublinho o determinados.
vi) FACTOS:
- Pessoalmente, sou INTEIRAMENTE partidária e até fanática de organizações de classe, desde que integrem ou não indivíduos que se habilitem INDIVIDUALMENTE. O que a Ordem, para mim, não pode é afirmar-se como seleccionadora diferencial de instituições, actuando desta forma, como um agente publicitário (o tal marketing que o Senhor Bastonário falava....) favorecendo assim, à prióri - em mercados de banda estreita, como o nosso - agrupamentos e/ou colectividades institucionais.
Para mim, num contexto como o nosso, é inadmissível este procedimento.
- De cada vez que muda o bastonário da Ordem dos Engenheiros, penso sempre esperançosa que vai ser desta vez que se estabelece uma trajectória ascendente na organização das engenharias da nação. Mas, o resultado final, pouco tempo depois do cargo ser assumido, é sempre igual - uma meia oito cubana, só que com aterragem forçada, em queda livre, e na água. E então, é só agora, depois da confusão instalada, é que a Ordem dos Engenheiros parece querer imitar a dos médicos - eliminar a concorrência? E isto, é que nem com Red Bull eu aguento!
Uma das competências básicas da classe de engenharia não será a capacidade de planeamento e consequente antecipação de soluções? Pelos vistos deixou de ser....