Os monólogos públicos expressos à comunicação social pelos nossos múltiplos e numerosíssimos peritos do Processo de Bolonha, especialmente, estes mais recentes, têm uma particularidade que muito me irrita - deixam-me sem fôlego, muda de espanto, contrariada e de péssimo humor.
Se quiserem ter uma ideia de como me sinto, após escutar estas arengas "bolonhesas à nossa moda", é exactamente como aguelas desconversas das minhas idas ao médico (como respeitabilíssima senhora senior) - eles acham sempre que não devo fazer qualquer coisa que não resisto fazer ou que não posso deixar de fazer qualquer outra coisa que, de todo, não quero nem pensar que terei que fazer.
Estão ver a situação?
Mas, já que vieram por aqui, pelo beco e, como imagino, também, serão entendidos dessas nossas coisas de Bolonha, podem ajudar-me a pensar em alguns aspectos desta problemática?
1º -
Num artigo de ontem, no Jornal Público online, se não entendi mal o que por lá se escreve, parece que o grande problema da implementação do Processo de Bolonha foi, imaginem, que as Escolas precisam de dinheiro.
Até aqui, tudo bem, quem é que não precisa de dinheiro?
Não percebi é o que é que o referido processo de Bolonha teve, por exemplo, que ver com estágios...
Estágios, ao nível do ensino superior, não existiam já muito antes sequer do início do processo?
Na época pré-bolonha, os estágios ou os trabalhos dos alunos não eram já acompanhados?
Também não percebi, porque é que o processo de Bolonha tornou tudo mais dispendioso é que, pelas minhas contas, e penso que pelas dos responsáveis pela sua implementação, os custos, genericamente, teriam que ser forçosamente reduzidos em cerca de 1/5 a 2/5 -- menos 1 a 2 anos de estudo para as actuais licenciaturas, menos horas de aulas de contacto (se bem que um pouco mais de esforço dos alunos e professores) mas quando as formações que tinham cinco anos passaram a três e, parte da actual formação é ou deve ser feita em ambiente de trabalho/empresa -- porque é que faltam agora recursos financeiros?
Os recursos financeiros públicos das instituições de educação superior podem ser muito escassos - o país todo está assim - mas daí, atribuir a sua exiguidade financeira ao processo de Bolonha... ou que é essa mesma exeguidade financeira que pode fundamentar a sua deficiente implantação vai uma boa légua de "se nãos".
Bom... alguém, com muita paciência, terá um dia que me explicar...
O trabalho extra, de natureza burocrática, que foi exigido às escolas foi monstruosíssimo (e, na sua maior parte, totalmente, desnecessário), isso é verdade! Mas, ao que se saiba, também, ninguém foi remunerado, por isso.
E disse que a força-tarefa em torno da montagem dos processos de adequação a Bolonha me pareceu desnecessária, porque não vi publicadas em nenhuma adequação das formações, as peças que, na minha perspectiva, seriam indispensáveis - a compatibilização das competências a adquirir, pelos formandos, com os resultados de aprendizagem, devidamente, especificados e adequados ao perfil de formação, associados aos respectivos sistemas de avaliação, que comprovassem e grantissem a aquisição dessas mesmas aprendizagens.
2º- Não vem a propósito, mas recordo, também, que o Bologna Follow-up Group nacional, a meu ver, não fez rigorosamente nada que importasse ou valorizasse o processo de adequação a Bolonha, se descontarmos aquela ideia despropositada dos mestrados integrados. Ideia esta, que nunca esteve subjacente ao Processo de Bolonha, muito antes pelo contrário como, aliás, todos nós sabemos, a começar pelos próprios promotores da "inovação" que, também, nunca a explicaram ou fundamentaram, como seria sua OBRIGAÇÃO essa criatividade. Já que estas formações são mais longas que outras e são pagas por dinheiros públicos, quando o complemento de formação exigido ao segundo ciclo para as mesmas áreas não é, selectivamente, financiado em algumas instituições públicas, e sem qualquer justificação. Por exemplo, porque é que os mestrados (2º ciclos) das Universidades são financiados e os dos Politécnicos não?
3º Houve, também, quem acusasse as instituições de não terem providenciado indicadores de acompanhamento do processo. Não tivessem é, então, os responsáveis pela implementação do processo de Bolonha concedido às instituições a opção de menus à la carte e, outrossim, tivessem-lhes imposto o prato-feito, em total acordo com o que, supostamente, pretendiam ou consideram adequado.
Estariam a ver se aparecia alguém para lhes fazer esse trabalho de sapa? Foi isto não foi?
4º - Outra coisa, que não percebo, relaciona-se com a
notícia do Público online de 22-09-2009, pela qual, os mais altos RESPONSÁVEIS pelo referido processo, só agora se deram conta da falta de racionalização da rede de formação da Educação Terciária, omissão esta sim que concordo ser muito grave, porque está a promover desiquilíbrios não só de uma oferta de qualidade irrepreensível, a todos os níveis, como seria exigível, como ainda, promove a pulverização de recursos e custos e, sobretudo, incentivou o aparecimento de decisões legais de interesse e qualidade muito questionáveis e, a muitos títulos, sem sentido nenhum.
O que andou esta gente toda a fazer durante estes anos todos?
É que, meus amigos, fiquei abismada quando um desses responsáveis vem agora "aconselhar" os demais mortais que as universidades criem receitas próprias....
Brilhante! Ninguém se lembrou disso... "Incompetentes"!
Não poderia esse mesmo responsável ter tido, também e já agora, a gentileza de sugerir a esses "preguiçosos" ideias, efectivamente, inovadoras que não incluam nenhuma destas duas alternativas: a) utilização de dinheiros públicos para financiamentos discriminatórios sem fundamentos de actividades não lectivas (e algumas lectivas - 2º ciclo de mestrados integrados) nas universidades e politécnicos públicos e, sobretudo, b) criação e sustento de centros de custo/actividades públicos que só originam concorrência desleal para com empresas privadas que poderiam desenvolver os mesmíssimos trabalhos com encargos controlados, compromissos reduzidos, até com maior qualidade e promovendo emprego de pessoas qualificadas?
Enfim, quando oiço estes nossos gestores públicos - de lean management dos seus negócios criativos custeados com recursos alheios públicos - não resisto a arrancar o meu açaime, arreganhar a dentuça e a mostrar as garras.
Os meus caros e raros leitores vão desculpar-me estes meus bafos os desabafos - são incontroláveis.
Sinceramente, espero mesmo, por motivos óbvios, não me ver obrigada a continuar a incomodá-los, por muito tempo, com estas minhas birras!