domingo, abril 23, 2006

Neurocirurgia das suposições

Retomámos as nossas rotinas estratégicas, lá voltamos nós aos invariáveis procedimentos - estimamos com um micrómetro, medimos aos palmos e cortamos com machado.
Para mim - e apesar de me fechar a fazer contas e de consultar diversas bases de dados, foi-me impossível perceber exactamente o que se quiz/quer dizer com o "Compromisso com a ciência para o futuro de Portugal".
Antes de mais os registos nacionais nas diferentes bases (UNESCO, EUROSTAT, OECD e OCES) não são semelhantes, mas isso já vou passando por cima.... - os números são meramente indicativos - no entanto, ficar-nos-ia bem rectificar,... digo eu.
Mostro-lhes aqui, até onde eu consegui chegar, e alguém melhor preparado, pode ser que consiga avançar em segurança.
Começo logo com uma dúvida - qual é o horizonte temporal deste compromisso? Já todos sabemos que com um prazo infinito, que remédio teremos nós se não atingir a perfeição....
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Metas fixadas>> Significado
1) Atingir 5,5 investigadores (ETI) por mil activos (eram 3,5 em 2003 em Portugal e 5,5 na UE 25) >> Em 2003, tínhamos em Portugal, 5,460,000, activos e cerca de 19,110 ETI investigadores, admitindo que o número de activos não se modificará no período do compromisso (qual é que este é?) teremos então, em 2009, 27,300 investigadores, representando, no final, um acréscimo moral (mas não só) de massa salarial bruta da ordem 245,000,000 Euros. Acho estranho o compromisso não descrever o que se espera que seja feito por esses investigadores - estamos a falar de mais cerca de 8,200 investigadores - parece ser muito pouco espera-se uma vaga colaboração para mais 200 publicações científicas por ano, e para mais 6 patentes (INTERNACIONAIS) por milhão de habitantes, mesmo que estas sejam de facto REGISTADAS - por Portugueses de Portugal ou que residam em Portugal - na USPTO e na EPO e sejam, efectivamente, RENTÁVEIS - o que também não é garantido. Não vejo vantagens, para o país, em registos de patentes internacionais que não se convertam em dólares. E, por outro lado há desenvolvimentos que podem ser muito interessantes (monetariamente) e não levam a registos de patentes. É só pensarmos na Coca-Cola. Aliás, esta melhor produtividade e eficiência poderia é pedir-se à massa de investigadores que já existe.
2) Passar de 1,000 para 1,500 novos doutoramentos/ano. >> Esta meta será muitíssimo louvável se garantirmos aos que se empenham e investem as suas vidas e tempo, neste nível de formação, melhores perspectivas de ocupação profissional, se não, pelo menos, garantias profissionais. Isto porque, tanto quanto se sabe, o número de doutorados formados ou reconhecidos, em Portugal desde 1970 a 2004, a este nível, são cerca de 12,850; destes, não mais de uma centena foram absorvidos pelas empresas privadas e, provavelmente, cerca de 5% afastou-se do sistema, por circunstâncias normais da vida/morte. Todos os outros foram/serão ou terão que ser absorvidos, directa ou indirectamente, pelo funcionalismo público...- e aqui é que reside um problema.
O que faremos, exactamente, então aos doutorados que já temos (sobrando), e a outros 1,500 doutorados/ano? O compromisso não é claro, a este respeito!
Não se poderá chamar a actividade privada para, de alguma forma, endossar ou subscrever, desde já, o compromiso? Em alternativa, projectos de iniciativa privada, com financiamento público, obrigariam à contratualização directa de formações a esse nível - para se irem habituando, sem andarem a angariar auxílios (naquela faixa) via a utilização de instituições públicas, como agentes.
Ao que sei, entretanto, prepara-se mais uma boa fornada de novos doutorandos, que se irão ver obrigados a assobiar e a chupar laranja em simultâneo (assegurarão as suas aulas, nas suas instituições de origem), se não quizerem perder os seus lugares pouco seguros contratualmente, refiro-me é claro aos docentes do sacrificado sistema politécnico!
Falando nisto, não se percebe nada bem o que se espera deste subsistema, neste ambito da ciência e tecnologia. E isto, não bate certo com o Estatuto da Carreira do Ensino Superior Politécnico ( em vigor?). Sei que não é isto, o que aflige o país, mas para os envolvidos, a situação precária em que se encontram não será desmotivante?
3) Aumentar 50% o número de novos licenciados por ano, em S&E.>> Pessoalmente, estou de acordo, o percentual nosso é muito baixo (cerca de 50%, face à OCDE e à EU25. Mas, ainda não vi a posição concreta do nosso sector privado, sobre esta matéria. O sector privado que cresceu, em Portugal, nos últimos tempos, foi o de Serviços - usualmente, mais ligado à gestão, no sentido lato - e não ao sector secundário da produção e da transformação - ligados à Tecnologia e Engenharia. Este aspecto, no entanto, é muito vantajoso - os engenheiros habituaram-se à versatilidade - conseguem fazer TUDO - o que é, em si mesmo, uma mais-valia.

4) Duplicar o investimento público em Investigação Científica, passando de 0,5% para 1,0% do PIB. >> Isto, em EUROS ( € ), significa mais ou menos o seguinte:
  • passar a comparticipação pública de 1,300,000,000 Euros (2003, e que é 0,61% do PIB e não de 0,5% do PIB), para 1,600,000,000 € (em 2009),
  • passar a comparticipação do investimento privado de cerca de 327, 523,000 € (em 2003) para cerca de 1 152 000 000 € (em 2009).
DÚVIDAS MÁXIMAS:
A - Mais ou menos sabemos que o Senhor Primeiro Ministro tem alinhado com todas as propostas do MCTES. Mas, e Sua Excelência o Senhor Ministro da Economia e os Representantes da Actividade Privada? Também, já se comprometeram com este compromisso?
B - Em que fórum nacional se discutem, decidem e aprovam estes compromissos?
Pergunto isto, para que:
  1. as boas ideias/intenções ultrapassem, rapidamente, a fase de preces e orações intimistas,
  2. e, para que não nos vejamos a pular da frigideira para a fogueira!
C - Entretanto, irá subir para 3% do dos valores nacionais do PIB, a comparticipação financeira da Investigação e Desenvolvimento, pensada a nível Europeu para cada país, o que irá tornar todo este nosso esforço num mito de Sísifo - mas, é verdade, precisamos começar por algum lado.
D - Não é também nada explícito, no compromisso, o que se espera do subsistema politécnico na investigação, para além de se ser a fonte de fornecimento de doutorandos "na amarra". Isto, admitindo que o "tipo" das formações previstas para o politécnico - profissionalizantes/vocacionais - beneficiem desse nível de formação - o que para mim não é ainda, um dado adquirido.
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Principais Elementos Consultados:
  1. OECD Factbook 2006: Economic, Environmental and Social Statistics - ISBN 92-64-03561-3 - © OECD 2006.
  2. Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 2005. ISBN 92-894-9422-0. © ECSC-EC-EAEC, Brussels. Luxembourg, 2005.
  3. Key Figures 2003-2004. Towards a European Research Area. Science, Technology and Innovation. EUR 20735 EN.
  4. PRINCIPAIS INDICADORES MACROECONÓMICOS - PORTUGAL. Departamento de Prospectiva e Planeamento http://www.dpp.pt/gestao/ficheiros/quadro1.pdf.
  5. Bases de Dados do Observatório Da Ciência e Ensino Superior.
  6. Projecções de População Residente, Portugal e NUTS II. 2000-2050. DECRÉSCIMO E ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO ATÉ 2050. INE. 31 de Março, 2004.
  7. Towards a European Research Area. Key Figures 2001. Special edition. Indicators for benchmarking of national research policies. Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities, 2001. ISBN 92-894-1183-X. © European Communities, 2001.

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