terça-feira, março 28, 2006

Um molde coquilha da metodologia 6 σ

Está bem, têm razão, eu concordo, há raciocínios tão tortuosos, que mais parecem uma estrada da Birmânia (Myanmar, como hoje se diz) - o meu, do post de hoje, é um exemplo disso.

Tudo começou, porque ando - e, vai-se lá saber porquê… - já há uns tempos, às voltas de conceitos tais como desenvolvimento, economia, "inbreeding", abusos de poder, tráfico de influências, "inside trading", nepotismo, corrupção governativa, corrupção administrativa, corrupção activa, corrupção passiva, e corrupção pura e dura. Resolvi ir consultar as opiniões de dois articulistas brasileiros que são exímios no desenvolvimento destas questões - Joelmir Beting e Stephen Kanitz (este, é um accounting por Harvard). Sugiro-lhes que quando tiverem oportunidade leiam os artigos deles (deixo-lhes os links, para as respectivas páginas).

Um artigo de SK, "O perigo do 7 sigma" inspirou este post.
É que, após a sua leitura, cheguei à seguinte, modesta e brilhante conclusão - a gestão e a política de educação nacional é um molde perfeito da 6 σ.
Como sabem, a 6 σ é uma metodologia de aperfeiçoamento contínuo desenvolvida pela Motorola e que representa - na sua generalização - uma abordagem sistemática a um processo, qualquer que este seja, para redução de defeitos de produção dos seus produtos. A fundamentação desta metodologia (na estatística descritiva) é muito controversa, mas o que também é certo, é que na prática a teoria é outra coisa - assim, o método quando bem utilizado, assenta em conceitos simples de estatística – no desvio padrão, sigma (σ) - e resulta muitíssimo bem - ou seja, pode fazer-se tender o número de defeitos/erros/inadequações/acidentes de fabrico, para qualquer coisa como 3,4 por cada milhão de oportunidades - isto é, quase zero… ou "um zero um pouco maiorzinho", como alguém um dia me disse.

A figura seguinte sintetiza, de forma simplória, uma distribuição normal de defeitos/acidentes resultantes de um sistema de produção.

FONTE: Adaptado de Management and accounting WEB

Porque é que eu digo que a nossa política educativa terciária é um molde coquilha da 6 Sigma?
É, justamente porque, do meu ponto de vista, dessa política é que nunca sai nada que jeito tenha.
Vejam só, e como meros exemplos, dos mais recentes:

1) O já famoso artigo 47 do não menos famoso Decreto-Lei nº 74/2006 de 24 de Março do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que transcrevo em itálico: Professores recrutados através de concursos de provas públicas no âmbito do ensino politécnico - Para efeitos do presente decreto-lei consideram-se, entre outros (???), como «especialistas de reconhecida experiência e competência profissional», os professores-adjuntos e os professores-coordenadores da carreira do ensino superior politécnico recrutados através de concurso de provas públicas nos termos do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, aprovado pelo Decreto-Lei nº 185/81, de 1 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 69/88, de 3 de Março.
- Há por aí alguém com "pós-doc" em cifras herméticas ou linguagem incriptada, que possa explicar aos restantes mortais o que, concrectamente, se pretende dizer com um texto destes?

2) Alguém teve oportunidade de passar os olhos pelas "novas" Normas Técnicas e respectivos formulários que dizem respeito ao famigerado Processo de Bolonha – voltam a redizer o re-dito, e pasmem, em nenhum formulário novo se pede a descrição geral ou específica das competências adquiridas e/ou dos resultados de aprendizagem dos formandos.
Ora pois!Muito bem!
Produziu-se apenas mais um bloco de instruções, que irá obrigar a consumir mais uma resma de papelada, por cada curso, e que não trás absolutamente nada de novo, ao que já todos sabiam.

Aqui só para nós, acham que nenhuma daquelas novas 333 medidas desburocratizadoras, já publicadas, pode conter este manancial de re-criatividade e incontível "veia organizativa"?

OK! Vou acreditar na 6σ, às avessas - um molde coquilha, e aguardar pacientemente que seja publicado um próximo lote de 295,000 diplomas legais, para poder testemunhar a produção de uma instrução isenta de problemas.

5 Comentários:

Blogger Luis Moutinho disse...

Regina!
Ora muito bem, tens toda a razão. O artigo que refere significa absolutamente nada. Mais valia dizer que até queriam uns indivíduos assim assim mas que se vos aprouver meter outro qualquer a gente também aceita.
É o estado controleiro com medo de se meter no quintal do cacique local.
Um abraço.

quarta mar. 29, 12:31:00 da tarde 2006  
Blogger Pedro Bingre do Amaral disse...

Um dos muitos lemas dos juristas é:
"Omnis definitio periculosa": toda a definição é perigosa.
...e assim se acautela o trabalho de muitos legisladores.

Porque há-de ser assim?

Uma interpretação de boa vontade far-nos-ia crer que, a bem da Nação, é necessário que a Lei seja suficientemente vaga para se flexibilizar perante as múltiplas circunstâncias da vida real.

Uma interpretação de má vontade far-nos-ia crer o contrário: a bem dos juristas e magistrados, é conveniente que a Lei seja obscura. Se não, vejamos: um diplima legal escrito de forma clara e inequívoca dispensa os pareceres jurídicos que nutrem inúmeros escritórios de advocacia... Alguns dos quais incluem deputados que redigiram essas mesmas leis!

quarta mar. 29, 04:35:00 da tarde 2006  
Blogger Regina Nabais disse...

Luís Moutinho e Pedro Bingre, obrigada por terem passado por aqui, e deixado os vossos comentários. É sempre excelente "ouvir"/"rever" velhos e novos amigos. Na maior parte das vezes, escrevo só para mim.
Ando algo preocupada com a explosão combinatória das interpretações possíveis e realizáveis com o 74.
Por isso é sempre muito reconfortante perceber que há mais gente - como vocês os dois - predispostos a prestar atenção a estas questões e a repartir dúvidas/ideias/impressãoes/opiniõesComo sabem, estou sempre ou quase, deste lado.
Até...

quarta mar. 29, 11:28:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo disse...

Alguem me disse que esse artigo tinha sido proposto pelos próprios politécnicos.
Não foi?

quinta abr. 06, 10:03:00 da tarde 2006  
Blogger Regina Nabais disse...

Anonymous, procure não ser como eu, que já vou acreditando em tudo o que me dizem.
Por enquanto, sou absolutamente "free lancer".
Não aceito encomendas de ninguém, às vezes nem as minhas.

quinta abr. 06, 11:08:00 da tarde 2006  

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