domingo, fevereiro 12, 2006

Ensopado de Ovelha


A justificação do título deste post, que é um fractal de pensamentos recorrentes só será efectuada no final - ocorreu-me, já no ido dia 9 de Fevereiro de 2006, data da aprovação em Conselho de Ministros do Decreto-Lei que regula os graus e diplomas do ensino superior, cujo conteúdo, em rigor, ninguém sabe.

Uma nota prévia - valorizo muitíssimo uma característica de gestão do ministro que, actualmente, tutela o Ensino Superior e a Ciência e Tecnologia no país – tudo o que ele faz ou manda fazer de bom e de mau é sempre divulgado aos quatro ventos.
Isto é, só não costuma saber o que se passa e o que se decide, no seu domínio de governação, quem não queira mesmo saber - assim, tenhamos nós todos a paciência, tempo ou ambos para andar no garimpo de bases de dados, nacionais e das outras, para tricotarmos informações dispersas, com a persistência suficiente para reconstruir uma realidade possível sobre uma a panóplia de especulações – ele de certeza vai fazer isto…, ele só pode pensar aquilo…, ... ele é uma verdadeira peste,...ele é um génio...etc., etc.

No entanto, tivemos todos, como sempre, e até com alguma antecedência de duração indefinida, acesso ao Projecto de diploma que referi no primeiro parágrafo do post.
Admito que a versão final do texto, efectivamente aprovado, seja dotada de aperfeiçoamentos substanciais, mas a proposta conhecida tem aspectos que me deixam perplexa por isso, confesso, mantenho uma secreta, mas insustentável, esperança de que venham a ser corrigidos. Outros há, que, não me dei conta de serem publicamente controversos mas, a meu ver, podem baralhar de vez a causa remota do referido diploma - o processo de Bolonha cá da terra - que está visto, em Portugal se manterá, por um bom tempo, pré-etrusco - sem proveito específico para ninguém que se veja, mas com largo prejuízo de quantos optem pela educação terciária, até que todos os outros percebam que a educação não é um bem fundiário para escritura em propriedade horizontal, e sim um valor para as gerações futuras.
Mas, … adiante!

No caso concreto, e para não complicar mais a questão, recordo apenas alguns aspectos, referidos no Anteprojecto de Decreto-Lei - Graus académicos e diplomas do ensino superior:

Dando de barato, porque de facto até nem foi, em consumo de recursos e de tempo, o estabelecimento dos celebradíssimos (contados, recontados, cantados e até já decantados) Descritores de Dublin - associados ao Projecto Europeu Tuning [7 Áreas, 101 Universidades, 16 países, e inquéritos a 944 empregadores, e 5,183 ex-alunos*, etc., etc..] e desenvolvidos para o 1º e 2º ciclos, pelo “Joint Quality Initiative Group” [mais, precisamente, os que redigiram a proposta "Ba-Ma" - Bachelor-Master Descriptors]. Estes descritores nada mais são que uma aplicação - “chapa 3” - da “psicologizacão” institucional e organizacional da gestão individual do conhecimento, tendo por base a já velhotinha Taxonomia de Benjamim Bloom, 1956, que, por sinal e para efeitos práticos, até é muito controversa - se um dia valer a pena, ainda arengarei sobre este problema...
Pode perguntar-se como é que - depois daquela "trabalhera" toda e de tanto bafáfá académico, para se perceber como é que funcionavam objectivos descritores e competências - assim de repente, não mais do que de repente, em Portugal - se desdobram tão facilmente as duas formações dos dois ciclos em mais duas outras, em harmonia com o subsistema em que se lecciona.

Entender-se-ia muito bem tudo, se a referida subdivisão, a que se chegou, suportasse, em Portugal, objectivos de formação bem distintos num e no outro subsistema. No entanto, o Projecto de Decreto não formaliza nenhuma diferenciação, por um lado, e acaba por colocar condicionamentos idênticos ao leque de competências necessárias, para leccionar os dois ciclos em qualquer dos dois subsistemas.


Reza o Projecto de Decreto:

Competências para atribuição de grau de Licenciado/Mestre
1 - As áreas de formação (as especialidades) em que cada estabelecimento de ensino superior confere o grau de licenciado/mestre são fixadas pelo seu órgão legal e estatutariamente competente.
2 - Só podem conferir o grau de Licenciado/Mestre numa determinada área de formação/especialidade os estabelecimentos de ensino superior que, nas áreas científicas integrantes da formação a ele conducente:
a) Disponham de um corpo docente próprio qualificado, cuja maioria seja constituída por titulares do grau de doutor ou especialistas de elevada competência profissional;
b) Disponham dos recursos humanos e materiais indispensáveis a garantir o nível e a qualidade da formação adquirida;
c
) Desenvolvam actividade reconhecida de formação, de investigação ou de desenvolvimento de natureza profissional de alto nível.
3 - A verificação da satisfação dos requisitos referidos no número anterior é feita no âmbito do processo de acreditação

Todas estas coincidências de redacções até seriam aceitáveis, por se tratarem de critérios de leccionação – mas as condições de ensino estão um tanto fora do tal já gasto e requentado paradigma de Bolonha, ou não?
Mas, continuando…

No fim distorce-se tudo, dizendo que ambos os subsistemas no primeiro ciclo poderão ter exactamente o mesmo número de ECTS e, em ambos, chegar-se até aos 240!
Ou mais, ou mais,.... digo-vos eu, basta uma ajeitadela de argumentação dos "xico-espertos de plantão",...

O que mais me chamou a atenção foi a terceira competência necessária à leccionação do 2º ciclo - áreas de formação (as especialidades) - Desenvolvam actividade reconhecida de formação, de investigação ou de desenvolvimento de natureza profissional de alto nível.

Ora aqui está, para mim, um verdadeiro problema de semântica, mais especificamente de denotação – a quem é que o Projecto de Decreto-Lei se refere para desenvolver actividade de reconhecida formação, de investigação, etc., etc. – são as instituições ou são os docentes?
Sabe-se, por acaso e por exemplo, exactamente, qual é a composição, em ETI (equivalentes em tempo integral) pertencendo a um subsistema ou a outro, e que integram Centros de Investigação deste país, alguns com classificações de “muito bons e excelentes”?
Se calhar, não se sabe muito bem, e podem até surgir grandes e inesperadíssimas surpresas! Diz-me o meu oráculo, que aqueles são dados, verdadeiramente, interessantíssimos.

É por tudo isto, que este Projecto de Decreto-lei é mesmo muito parecido com uma das minhas iguarias culinárias mais famosas e, para todos que, corajosamente, a provam, é sempre inesquecível!!- o meu ensopado de ovelha” – é também orçamentalmente ruinoso, perde-se tempo "à brava", mobiliza muitas/todas as boas e más vontades, vai tudo para a panela, dá uma trabalheira “lascada”, alguns comensais reclamam de fome, os outros de enjoo, induz facilmente um “levantamento de rancho”= vai tudo, sob protestos, comer qualquer coisinha em qualquer outro lado e, na melhor das hipóteses, é como dançarmos com os irmãos - não sabe rigorosamente a nada!
______________________
* Um dos ex-alunos da área de história é nada menos que o Príncipe Carlos de Inglaterra, mas esta é outra história, e outros 500... Um dia prometo que lhes conto.

7 Comentários:

Blogger bev trayner disse...

Olá Regina!

Já chegai. Prazer te conhecer.

Vamos nisso :-)

sábado fev. 18, 09:32:00 da tarde 2006  
Blogger Regina Nabais disse...

Olá Beverly, obrigada por passar no Beco, e ter deixado uma mensagem. Eu conheço e sou fã dos os seus blogs - que são entusiasmantes!

sábado fev. 18, 09:54:00 da tarde 2006  
Anonymous Anónimo disse...

Acabei de encontrar o seu Blog. Parabéns pela iniciativa e pela forma como a está a concretizar. Além do mais, acho que está visualmente bonito...
Quanto à sua análise, concordo totalmente (o que nem sempre acontece, como sabe...). O problema desta e doutras reformas é que em Portugal é muito dificil aplicar de forma sistemática e coerente qualquer lógica sem que apareçam logo um sem número de excepções que disvirtuam tudo! Nestas coisas do ensino superior e das relações entre universidade e politécnico elas (as excepções aos principios organizativos) "são mato". E como acontece sempre em tudo aquilo que é confuso, manda quem tem poder para tal... As coisas são o que são porque alguém que pode quis que fossem assim, e não porque faz sentido que assim sejam.
Cumprimentos e votos de que continue participativa e empenhada.

domingo fev. 19, 12:16:00 da tarde 2006  
Blogger Regina Nabais disse...

Foi muito bom o colega ter passado, e até ter-se dado ao trablho de parar neste beco - que é de todos.
Volte sempre, e deixe as suas opiniões e críticas. Nesta viela cibernética, não precisamos de sequer de concordar uns com os outros. O que precisamos é de pensar, o que será melhor no conjunto para todos - especialmente, para os mais jovens, que nem têm culpa nenhuma de sermos como somos...

domingo fev. 19, 02:15:00 da tarde 2006  
Blogger MJMatos disse...

Fico candidato ao ensopado, naturalmente o seu, não o do ministro, 8-). Gostei desta exposição em tom humorístico, até porque "ridendo castigat mores".

segunda fev. 20, 09:36:00 da tarde 2006  
Blogger MJMatos disse...

Ah! Já que estou numa veia humorística, devidamente estimulada pelo seu texto, deixo aqui uma de minha lavra:

Quais são as duas partes do corpo mais utilizadas nas tomadas de decisão?

São o cotovelo e o joelho: fazem-se as coisas por "dor de cotovelo" e, naturalmente, "em cima do joelho".

segunda fev. 20, 09:45:00 da tarde 2006  
Blogger Regina Nabais disse...

Obrigada MJMATOS, pela vinda a este beco - no dia de aniversário do seu blog - e por ter parado, porque me ri com o seu comentário.

Quanto ao ensopado, é meu convidado especial! Antes das minhas incursões à cozinha, aviso sempre a navegação, para dar tempo aos convivas a poderem inventar desculpas convincentes - garanto-lhe que irá preferir o Decreto e o ministro.

segunda fev. 20, 11:13:00 da tarde 2006  

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